20110629

Devaneios...


Um grande dragão flutuava no ar lendo pornografia enquanto se lamentava tristemente por não possuir um pênis – órgão do qual os répteis são naturalmente destituídos. Em sua astuta grandiosidade, um pernilongo fêmea desfrutava de um belo banquete (em sua opinião) na parte de trás de um dos chifres do dragão, mais precisamente, dentro do sulco (que lhe aparecia como um imenso vale) de onde tal chifre se projetava.

Abençoadas são, pois, as libélulas e mariposas que gostam de luz – porque as mariposas mais belas são as preferidas dos pássaros! E, durante o enroscar sibilante das cobras pelas pernas do dragão, águias longínquas são tentadas com banquetes poderosamente protegidos – nisso o dragão ajeita os óculos com a ponta da garra e limpa a garganta com um pigarro fumegante, completamente alheio ao inseto em seu chifre, mas sabedor de cada pena aquilina, vigilantes de suas pernas; mesmo estando imerso em sua leitura cultural.

As borboletas que arriscaram aproximação ficaram presas pelo olhar hipnotizante das cobras porque os tigres de bengala preferiam jogar xadrez: cheque mate! Gritavam uns para os outros de tempos em tempos, exasperados pela soltura de suas intimidantes dentaduras.

Mas porque aquele pardal nunca se casara é o que realmente perturbava a paz harmônica do céu beligerante. Talvez porque fosse gay, argumentava, incredúla, um pardal fêmea; talvez porque não fosse pardal, questionava uma tanajura.

 – E o que é que você entende de pardais? – perguntava uma amiga da pardal, num tom excessivamente desdenhoso.

 – Realmente nada, mas entendo de corvos e teias de aranhas. – retrucava a tanajura, perigosamente dando as costas para as pardais estupefatas com a audácia dela em não lhes responder diretamente.

Foi assim que o galo contou a perua tão pavoneamente que assustou o tatu.

20110616

A face da paixão na alvorada gelificante

Eu acordei com um espírito de guerra. Com um ar questionador, até. Mas de repente, ao sair de casa, dei-me de cara com outros problemas e percebo-me a perguntar se meu pequeno guarda-chuva - que já é insuficiente para nós três (Eu, minha volumosa mochila e meu, ainda mais volumoso, violão) - conseguiria ao menos proteger minha cabeça. Há! Mal, mal, minha face!

E seguem-se questionamentos mucosos sobre um futuro de contrastes temperaturais entre corpo e meio. E em meio a toda essa batalha eis que uma figura faz-me abandonar tudo para apenas perguntar-me sobre qual seria o rosto pelo qual Eu me apaixonaria.

Tudo o mais some para dar lugar a este pensamento em minha caminhada feita em caçada. As pernas agora seguem dois comandos: chegar ao destino e alcançar o destino. Mas minha mente está mais nublada que próprio ambiente em que estou imerso e vejo apenas umtênue foco de luz que segue à minha frente no nuvem baixa: será esse, o rosto objeto de minha paixão?

Alcanço-a.

Meu coração lembra-me, de sua gaiola de ossos, músculos e panos, que estou vivo!

Ultrapasso-a e...

Vejo-me ao lado de um rosto majestosamente forte e surpreendentemente delicado nessa força.

O rosto sorri para mim de dentro da sua moldura, afigurando-se mais simpático, como se dissesse: sim, meu fiel súdito? Em que posso ajudá-lo? E alegro-me boba e imensamente com esse sorriso de atenção educada que mostra confiar o suficiente para responder meu humilde e hesitante olhar com a luz e o calor de um castelo que se abre para acolher a insignificância de um servo que é apenas mais um.

Mas mesmo esse esplendor é, para mim, um tanto decepcionante; um momento de alegria fulgaz que escorre de mim com a velocidade do vento que me estapeia. Porque não era o rosto de minha paixão. Não era este que mudaria meu caminho; e nele permaneci, deixando o rosto tomar o  seu próprio.

"De volta à guerra!" Declarei a mim mesmo, sem entusiasmo. Estava novamente na trilha do guerreiro, mas a guerra já estava vencida por aquela face que não era a da minha paixão.

...

Entro no ônibus distribuindo e coletando "bons dias" familiares a familiares rostos, mas que também não são minha paixão - só alguns, algumas vezes.

20110602

Alguém me segure!

Eu não sou normal! Posso ser qualquer coisa! Exceto, normal!

Não é mesmo possível que Eu seja! E quando acho que estou tendo algum vestígio de normalidade... pronto! Já fiz uma loucura! e lá se vai para o beleléu minha vã esperança de ser normal...

Não quero apenas chamar atenção, ser mais um a gritar que "eu sou maluco", etc. Isso - como quase tudo que posto aqui - é mais um desabafo.

Digo isso porque penso não ser demais a pessoa requerer para si alguns direitos que lhe garantam bem estar físico e mental! O (Meu) problema está em os direitos que julgo ter são absurdos!

Veja por exemplo os meus hábitos organizacionais: deixar objetos de uso contínuo sempre no mesmo lugar e de fácil acesso, visando sempre a agilização de rotinas; econômicos: desligar/desconectar aparelhos elétricos que não estão em uso e não ligá-los se não for usá-los(!); de segurança: desobstruir os espaços de tráfego. Agora me diga, se analisando só esses pontos, já não dá para dizer, logo de cara, que Eu sou um psicopata? Ou algo do tipo?

Eu vivo à beira da loucura! E é do lado de lá! - Talvez fosse mais próprio dizer que vivo à beira da sanidade!?

Pessoas que fazem isso não podem ser normais, uma vez que todo e qualquer objeto só deve ser deixado "à toa" quando não tem utilidade! E como você saber o que acontece com os aparelhos se eles estão todos desligados? Afinal, é preciso estar informado! E sem falar que, aqueles objetos do primeiro ponto - que não tem utilidade e ficam (esses, sim) à toa, não estariam em melhor lugar do que no meio do caminho (para que, como a pedra drummondiana, jamais sejam esquecidos!) porque precisam estar à vista quando precisar-se deles!

Ora! Talvez haja um pouco (bem pouco) de forçação de barra no parágrafo anterior, mas não pode ser normal um baiano que não gosta de axé nem sabe jogar capoeira! Um brasileiro que não sabe sambar! Um ser humano que não se importe muito com seu próprio destino! Não pode! não há possibilidade de uma criatura, com esse comportamento, ser considerado um ser humano normal! Mas talvez esteja justamente aí o probelma: ser "ser humano" (a-há)!

Começo a desconfiar - mais fortemente agora que quando criança - que não sou desse planeta (ohh...)! Quem sabe se não fui enviado aqui para estudar o modo de vida da humanidade pelo método mais difícil, mas também o mais real: vivendo como um deles! Pode ser que tudo esteja sendo gravado em meu suposto cérebro (sim, suposto, se não sou daqui, vai saber o que realmente está aqui dentro?!?). E quando chegar ao fim minha missão de coleta de dados (interpretada aqui como minha morte - buá, buá...) os relatórios serão feitos e enviados à origem. Talvez Eu mesmo os leve de volta! (Et... telefone... minha casa...)

Mas quem sabe, não é mesmo?!?!?!? Talvez Eu seja apenas um ser humano paranóico comum. Comum. Não normal!